Os nervos de Deus não são neurônios Neuroteologia e psicanálise Antes do pai: biologia como figura do materialismo
A reportagem de capa da revista Forbes 1 celebra o encontro das neurociências
com o marketing produzido uma nova disciplina, o neuromarketing. Existe também a
neurofilosofia, que advogando a tese de naturalizar conceitos como desejo,
intencionalidade, consciência, foi transformada por Churchland de um neologismo curioso
em uma disciplina reconhecida. Há também a neuroética, a neuropsicanálise, a
A significação do prefixo neuro implica numa referencia às neurodisciplinas e, como
sugere Luc Ferry2 , denota a biologia como uma nova figura do materialismo.
Fazendo-se porta-voz do privilégio atribuído às neurociências na atualidade,
Francis Fukuyama3 comentando as conseqüências da revolução da biotecnologia, prevê
um controle social que no futuro será regulado pelo controle do comportamento. Este
controle social teria se tornado possível pela passagem da neuropsicofarmacologia,
antes restrita unicamente a modificação de sintomas intensos, para uma atuação sutil no
estado anímico, no que foi chamado por Peter Kramer4. de farmacologia cosmética
Haveria uma neurobiologia especifica dos Homens bomba, dos serial kil ers, seria
exata a hipótese a existência de uma ‘Síndrome amidaliana’ hipótese de uma
malformação dessa estrutura cerebral para explicar condutas extremas? Existiria a
O que caracteriza as neurociências atuais são os avanços tecnológicos na área
das neuroimagens que permitiram uma investigação dos neurotransmissores produzindo
Depois da radiografia e da tomografia, a ressonância magnética (MRI) é o mais
novo instrumento de investigação do cérebro. Mais recente é, a ressonância magnética
funcional que, fornecendo informações sobre mudanças no volume, e oxigenação do
sangue produzem imagens de como regiões específicas do cérebro funcionam.
Porem o mais notável avanço na investigação do cérebro é a tomografia por emissão
de pósitrons, ou PET que difere da ressonância magnética, por mostrar não apenas a
estrutura e o funcionamento do cérebro, mas também como este usa a energia
A partir de imagens obtidas por PET, pesquisadores procuraram entender o
relacionamento entre espiritualidade e cérebro, lançando as bases de uma biologia da fé.
Segundo um novo ramo da neurociência, chamado neuroteologia, há uma ligação
entre o cérebro humano e a experiência religiosa. A neuroteologia, ou o estudo da
3 Fukuyama, Francis. Nosso Futuro Pós-Humano
neurobiologia da religião e da espiritualidade, foi destaque graças a um artigo da revista
"Newsweek" e ao livro "Why God Won't Go Away: Brain Science and the Biology of
Belief" ("Por que Deus não vai embora: a ciência do cérebro e a biologia da fé").
Andrew Newberg e Eugene Aquili descobriram em pesquisas feitas com um grupo
de monges budistas tibetanos e numa comunidade de religiosas franciscanas que
algumas partes do cérebro são estimuladas e outras ficam inativas pelas atividades
religiosas como a meditação e a oração.
Segundo os autores “a sensação que os budistas chamam” "unidade com o
Universo" e que os franciscanos atribuem à presença palpável de Deus, é uma cadeia de
eventos neurológicos que podem ser observados objetivamente, registrados. As
tomografias revelaram que, nos momentos de pique das preces e da meditação, esse o
fluxo sanguíneo sofria uma redução drástica e uma intensa atividade elétrica nos lobos
temporais acompanha o êxtase místico, o que leva a considerar uma conexão entre o
fenômeno religioso e o ataque de epilético, quando idêntica atividade dos lobos é
O pai e o homem desnaturalizado
Para a psicanálise não há nenhum Deus, nenhuma natureza bondosa, existe a dor
dos desamparados e a neurose religiosa dos que acreditam estar protegidos por Deus.
Os seres humanos moldam Deus à imagem do “pai”. Deus é “um pai enaltecido”; “uma
transfiguração do pai”; “um retrato do pai”; uma sublimação do pai “um suplente do pai”,
“um substituto do pai” "uma cópia do pai", Deus ”é realmente o pai”.
Os deuses são encarregados de uma tarefa tripla: exorcizar os terrores da
natureza, reconciliar os seres humanos com a crueldade do destino e compensá-los por
O monoteísmo renovou o relacionamento com o pai. “Agora que Deus é uma única
pessoa, as relações humanas com ele podiam recobrar a intimidade e a intensidade da
Alem do pai: O Deus de Schreber e a mulher
Lacan assimila Deus ao Outro, lugar da verdade. Para Lacan, Deus não seria nem
uma sublimação nem uma idealização do pai. As religiões seriam tentativas de domesticar
Deus, de modelar o real com o simbólico das palavras e o imaginário dos corpos. Em
lugar de ser uma sublimação ou uma idealização do pai, como supunha Freud, para
Lacan as religiões seriam rebaixamentos dos deuses à indignidade do pai.
Lacan delimita um ponto que falta na reflexão filosófica moderna: Deus é existir e
não ser. Os filósofos árabes concebem o ser criado como uma essência que não contém
em si a razão de sua própria existência. A existência se distingue da essência. Para Deus,
Na leitura de Lacan, a existência reduz a importância da essência: “Sou o que
sou”. O ser é uma essência a qual só sua causa confere a existência.”O tetragrámaton
impronunciável” Yahve* significa a existência necessária. O nome de Deus é mais um eu
Zizek (O real da ilusão cristã: notas sobre Lacan e a religião)5 aponta dois
aspectos do Real lacaniano: a Coisa primordial e a letra/fórmula sem sentido, como no
5 Zizek S.,O real da ilusão cristã: notas sobre Lacan e a religião
Real da ciência moderna. A esses dois Zizek acrescenta um terceiro Real, o “Real da
ilusão”, o real de um puro semblante.
Para Zizek há, três modalidades do Real, pois a tríade IRS reflete-se no interior da
ordem do Real, de tal modo que temos o “Real” (a Coisa aterradora, o objeto primordial),
o “Real simbólico” (o significante reduzido a uma fórmula insensata, como as fórmulas da
física quântica), e o “Real imaginário” (o “insondável que introduz uma divisão em um
Como Lacan diz que os Deuses são da ordem do Real, a Trindade Cristã poderia
ser lida como Trindade do Real: Deus, o Pai, é o “Real real” da violenta Coisa primordial;
Deus, o Filho, é o “Real imaginário”; o Espírito Santo é o “Real simbólico” da comunidade
Freud no estudo de Schreber, mostra a satisfação que o leva a contemplar, vestido
de mulher, sua imagem no espelho, que no seu delírio, o leva a copular com Deus
A este gozo sem limite Lacan chamou de “empuxo-à-Mulher”, explicado como um
gozo ligado à falta da função fálica, pois este Deus que goza dele, é o gozo do Outro, um
gozo não fálico ligado à falta da castração.
Escreve Lacan: “Sem dúvida a adivinhação do inconsciente adverte o sujeito,
desde muito cedo, de que, na impossibilidade de ser o falo que falta à mãe, resta-lhe a
solução de ser a mulher que falta aos homens” ou ser a Mulher de Deus.
A inclinação para a feminização, o “empuxo-à-Mulher”, é uma obrigação na
sexuação do psicótico. Nas “Memórias.” com sua transformação em mulher e sua
posição diante de Deus Schereber dá um exemplo da feminização no psicótico: “Só a
título de uma possibilidade que haja que ter em conta lhe digo: minha emasculação, de
qualquer maneira, ainda poderia produzir-se, ao efeito do que uma nova geração saia de
meu seio por jogo de uma fecundação divina”.
Ainda nas “Memórias.” Schereber afirmou: “Por duas vezes já tive órgãos genitais
femininos, ainda imperfeitamente desenvolvidos, e experimentei no corpo movimentos de
saltos, parecidos às primeiras agitações de um embrião humano. Nervos de Deus,
correspondentes a um sêmen masculino, haviam sido projetados em direção a meu corpo
por um milagre divino, e desse modo se havia produzido uma fecundação”.
Schreber se coloca como objeto do gozo do Outro, pois empuxo-à-Mulher exige a
confrontação com as exigências de um Deus tirânico, o que justifica outros sintomas
como a tentação suicida, a cadaverização do corpo, o prejuízo do sentimento íntimo da
vida, a perda da identidade viril, as tentativas de automutilação, e a demanda de operação
Schreber o exemplifica com sua transformação em mulher e sua posição diante de
Deus: “como seria bom ser uma mulher copulando e ser a mulher de Deus”.
A identificação ao desejo da mãe está no fundamento da psicose: por não poder
ser o falo que falta à mãe, resta-lhe a solução de ser a mulher que falta aos homens.
Freud e Lacan mostram a satisfação que leva Schreber a contemplar, vestido de
mulher, sua imagem no espelho. É a dimensão do gozo ligado à cópula divina que o
conduz a tornar-se digno da fecundação divina. Nesta figura de Deus que goza dele,
evoca-se o gozo do Outro, um gozo não fálico ligado a uma falta da castração.
É este efeito diante do chamado do gozo sem limite, que Lacan chamou de
empuxo-à-Mulher, gozo ligado à falta da função fálica. Escreve Lacan: “Sem dúvida a
adivinhação do inconsciente adverte o sujeito, desde muito cedo, de que, na
impossibilidade de ser o falo que falta à mãe, resta-lhe a solução de ser a mulher que falta
aos homens” ou, ser a Mulher de Deus “.
A foraclusão do Nome-do-Pai tem como efeito fazer existir A Mulher. “Deus é a
mulher tornada toda”. “Dito que faz da mulher não-toda o Deus da castração” 6 . “O que,
porem, não faz de Deus um Todo não há Outro que responda como parceiro - sendo a
necessidade da espécie humana que haja Outro do Outro. É aquele a que se chama
geralmente Deus, mas que a analise revela que é simplesmente A mulher encarnação de
um gozo infinito, uma Mulher completa, não marcada pela castração” 7 .