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INSTITUTO EGRÉGORA
O Papel da Educação Dentro do Cenário Sócio-
Histórico
Antônio Leite de Barros Neto
Antônio Leite de Barros Neto
O Papel da Educação Dentro do Cenário Sócio-
Histórico
Trabalho da disciplina Gestão das Cidades e Sistema de Educação, do Prof. Carlos Alberto Reys Maldonado do Curso de Pós-Graduação em Gestão Pública Municipal do Instituto Egrégora. Várzea Grande, 2009
O presente trabalho versa sobre a relação intrínseca entre educação e sociedade. Tal correlação torna-se evidente pela própria história da origem da educação, que atesta o seu papel preponderante na formação e transmissão da cultura na sociedade. A história, diz antigo axioma, desconhece começos absolutos. Contudo, se tivermos que situar em algum ponto do espaço-temporal, a gênese da nossa cultura ocidental, este lugar será certamente a Grécia, do ano VI e V a.C. Por conseguinte, é por ela que devemos começar se quisermos entender, com exação, qual seja a correlação que vigora até nossos dias entre Ora, para os gregos, a noção de educação, que era designada pela expressão paideia, está stricto sensu ligada ao seu conceito de filosofia. Com o término do período dos chamados filósofos naturalistas – os pré-socráticos – “(.) já os sofistas desempenham um papel fundamental ao impor a filosofia como força educativa essencial”1. Mas é com Sócrates, máxime com Platão, que “os verdadeiros mestres de formação humana e de vida tornam-se assim, não mais os poetas, mas os filósofos”2. Portanto, não se pode compreender com precisão a história do nascimento da relação entre educação e sociedade, se não assimilarmos, ainda que em suas linhas gerais, quais foram os fatores que influenciaram diretamente o nascimento da própria filosofia na Grécia, evento verdadeiramente epocal para a história da nossa cultura ocidental. Neste sentido acentua também o Historiador da Filosofia Antiga, Giovanni Reale, declinando o seguinte juízo: “(.) Sócrates criou a tradição moral e intelectual sobre a qual a Europa espiritualmente se Por isso, neste trabalho cuidaremos de mostrar como o cenário socioeconômico tornou-se um fator decisivo e essencial, para o nascimento da filosofia e consequentemente da própria educação. Destarte, ainda que mui sinteticamente – sem pretendermos nem de longe ser exaustivos – tentaremos evidenciar como a associação e a correlação entre educação e sociedade, tornou-se, doravante, um fator determinante, inclusive para a manutenção do nosso próprio modelo estatal coetâneo, no qual vivem nossos coevos. Passemos a arrazoar os tópicos propostos neste intróito. 1 REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: Léxico, Índices, Bibliografia. Trad. Henrique C. de Lima
Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995. v. 5. v. “Paideia”
2 Idem. Ibidem
3 REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: Das Origens a Sócrates. 4ª. ed. Trad. Marcelo Perine. São
Paulo: Loyola, 2002. v. 1.p. 95
Primum vivere, deinde philosophare4, diz o antigo provérbio latino. Sem embargo, onde há escassez, carestia, miséria enfim, não há lugar nem tempo hábil para se filosofar. Por isso o sentido da máxima sobredita seja que: “(.) sem determinadas condições sociais, econômicas e políticas, torna-se impossível qualquer especulação filosófica (.)”5. Conforme alude o Prof. Battista Mondin, “(.) entre os povos primitivos ou subdesenvolvidos, observa- se a ausência total de especulação filosófica sistemática”6. Agora bem, no século VI a.C, a Grécia sofreu grandes mudanças políticas e econômicas que lhe deram uma estabilidade, estabilidade esta que, doravante, lhe possibilitou o desenvolvimento de uma cultura intelectual peculiar, à qual chamamos filosofia. Ademais, findo o ciclo migratório do século VII e VI a.C, começaram a surgir as cidades-estados, a saber, a pólis, e o homem grego deixou de ver-se apenas como um migrante, para descobrir-se “(.) essencialmente como cidadão”7. Aliado à estabilidade, e oriundo dela, a Grécia desenvolveu-se também economicamente: “Deixou de ser país predominantemente agrícola, desenvolvendo de forma sempre crescente o artesanato e o comércio”8. Além disso, e sobretudo nas colônias, os intercâmbios comerciais entre as cidades tornaram-se cada vez mais constantes, donde “(.) tornou-se necessário fundar centros de distribuição comercial, que surgiram inicialmente nas colônias jônicas, particularmente em Mileto, e depois também em outros lugares9”. Comerciantes e artesãos, neste interstício, começaram a se despontar como a nova aristocracia grega, e passaram a se opor com vigor à concentração do poder político somente nas mãos da antiga nobreza fundiária. De fato, como bem observa Reale: Com a luta que os gregos empreenderam para transformar as velhas formas aristocráticas de governo em novas formas republicanas, nasceram as condições, o senso e o amor da liberdade.10 4 “Primeiro viver, depois filosofar”
5 MONDIN, Battista. Curso de Filosofia: Os Filósofos do Ocidente. 10ª. ed. Trad. Benôni Lemos. Rev. João
Bosco de Lavor Medeiros. São Paulo: Paulus, 1982. v. 1. p. 15.
6 Idem. Op. Cit.
7 REALE. História da Filosofia: Filosofia Antiga Pagã. p. 10.
8 Idem. Ibidem.
9 Idem. Ibidem.
10 Idem. Ibidem.
Ora, foi este senso de cidadania, de ser livre e partícipe ativo do poder estatal, que deu aos gregos, inicialmente nas colônias, mas depois também na mãe pátria, Atenas, aquele estado de bem-estar e liberdade, que lhes possibilitaram o cultivo do ócio da contemplação, nascedouro da própria filosofia. Descreve o Prof. Giovanni Reale com precisão: Foram as condições socioeconômicas mais favoráveis das colônias que permitiram o nascimento e o florescimento nelas da filosofia, a qual, depois, tendo passado à mãe pátria, alcançou os mais altos cimos, não em Esparta ou noutras cidades, mas justamente em Atenas, isto é, na cidade onde existiu, como o próprio Platão reconheceu, a maior liberdade da qual os gregos gozaram.11 Importa que antes de prosseguirmos, precisemos ainda um ponto: por que a filosofia floresceu primeiro nas colônias e não em Atenas? Porque fora exatamente as colônias, enquanto se encontravam mais distantes da mãe pátria e da sua constituição, que gozaram daquela liberdade e autonomia, para o desenvolvimento do comércio e o exercício da liberdade, que são os pressupostos precípuos, para a consecução daquele bem-viver, que torna viável, por sua vez, a própria cultura do filosofar: Por que isso aconteceu? Porque, como há tempo se notou, as colônias puderam, com a sua operosidade e com o seu comércio, alcançar o bem-estar e, portanto, a cultura. E por causa de certa mobilidade que a distância da mãe pátria lhes deixava, puderam também dar-se livres constituições antes daquela.12 Ora, dissemos acima: “cultura do filosofar”. Mas o que significa cultura? No seu significado mais antigo, designa “(.) a formação do homem, sua melhoria e seu refinamento”13. Outrossim, passou a indicar também, “(.) o produto dessa formação, ou seja, o conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados, civilizados, polidos (.)”14. Em uma palavra, a cultura é o que torna o homem propriamente humano, é o seu humanizar-se. E neste sentido, ela se confunde com a própria concepção de filosofia, ao menos na acepção que este termo ganhou desde os sofistas e Sócrates. De fato, os sofistas que foram contemporâneos a todas estas mudanças socioeconômicas que descrevemos acima, deslocaram a reflexão filosófica “da physis e do 11 Idem. História da Filosofia Antiga: Das Origens a Sócrates. p. 27
12 Idem. Ibidem.
13 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4ª. Ed. Trad. Ivone Castilho Benedetti. Rev. Ivone Castilho
Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2000. v. “Cultura”.
14 Idem. Op. Cit.
cosmo para o homem e àquilo que concerne à vida do homem como membro de uma sociedade”15. Por conseguinte, como bem observa Giovanni Reale, “(.) é exato afirmar que, com os sofistas, inicia-se o período humanista da filosofia antiga”16. De sorte, a finalidade da filosofia coincidiria com a própria finalidade da educação grega, a saber, a paideia, cujo fim era exatamente “(.) de formação, de perfeição espiritual, ou seja, de formação do homem no seu mais alto valor”17. Enfim, a educação, “(.) entendida ao modo grego, é a formação da perfeição humana”18, com vistas a fazer do homem um cidadão, isto é, um habitante da pólis, partícipe dela, e que tem que viver, portanto, de acordo com ela, a fim de conservá-la, pois é da felicidade e do bem da pólis que derivam a sua própria felicidade e o seu próprio bem. É o que ressalta Reale: Para o grego, o homem passou a coincidir com o cidadão. Dessa forma, o Estado tornou-se o horizonte ético do homem grego e assim permaneceu até a era helenística. Os cidadãos sentiram os fins do Estado como seus próprios fins, o bem do Estado como seu próprio bem, a grandeza do Estado como sua própria grandeza e a liberdade do Estado como sua própria liberdade.19 Portanto, assim como as condições socioeconômicas tornaram possível a filosofia, a filosofia, adrede, mediante a educação (paideia), deveria cuidar também de manter e consolidar agora, aquela independência, liberdade e bem-estar, que houveram permitido, Houve, pois, dois modelos de paideia segundo o paradigma acima, a saber, a paideia dos sofistas e a proposta por Sócrates e seus seguidores. Com efeito, com o desenvolvimento das cidades-estados, o grande fluxo de estrangeiros gerados pelos intercâmbios comerciais e pela criação das assembléias públicas, nas quais se decidiam os rumos das cidades, urgiu aos cidadãos, que realmente quisessem tornar-se protagonistas das grandes mudanças que ocorriam, que adquirissem alguma cultura, a fim de que pudessem intervir, positiva e diretamente, nos rumos que a cidade tomava. É o 15 REALE. História da Filosofia: Filosofia Pagã Antiga. p. 75
16 Idem. Ibidem.
17 Idem. História da Filosofia Antiga: Léxico, Índices e Bibliografia. v. “Paideia”
18 Idem. Ibidem.
19 REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da Filosofia: A Filosofia Pagã. 2ª ed. Trad. Ivo Storniolo.
Rev. Zolferino Tonon. São Paulo: Paulus, 2004. v.1. p. 10.
A vida na pólis exigia de todos os cidadãos que se dedicavam à atividade política (o que faziam todos os membros da aristocracia) uma razoável cultura e certa facilidade na eloquência, isto por causa da enorme importância das assembléias públicas, nas quais eram tratadas as mais variadas questões, como a guerra e a paz, o direito e o conceito, o governo e a religião, etc.20 O termo sofista significa sábio e era assim que eles se apresentavam aos habitantes da cidade, isto é, como sábios capazes de suprir esta lacuna que faltava aos seus seguidores: a cultura e a eloquência. Apresentavam-se sempre como homens viandantes e portadores de toda sorte de conhecimentos, aptos, por isso mesmo, para transmitir aos seus sequazes, aquela cultura e eloquência que estes tanto alentavam, para que pudessem, com descortino, tomar parte nos rumos da cidade. E foi assim que os sofistas chegaram a Atenas. Entretanto, o conhecimento que os sofistas defendiam não era um conhecimento verdadeiro, mas útil. Neste sentido, Protágoras, talvez o expressivo expoente desta escola, dizia inclusive que “(.) não existe um ‘verdadeiro’ absoluto e também não existem valores morais absolutos (‘bens’ absolutos)”21. O que existe, na verdade, e o que os sofistas ofereciam aos seus discípulos era “(.) algo que é mais útil, mais conveniente e, portanto, mais oportuno”22. De resto, para o sofista, o sábio não é senão aquele “(.) que conhece esse relativo mais útil, mais conveniente e mais oportuno (.)”23 – a que eles chamavam cultura – e que soubesse, além do mais, “(.) convencer também os outros a reconhecê-lo e pô-lo em prática”24. E é justamente esta arte de persuasão que eles chamavam de eloquência. Estamos diante de um verdadeiro e acentuado relativismo, certamente decorrente deste desenvolvimento econômico maciço, que tornava cada vez mais propenso o rompimento das fronteiras entre as cidades e até mesmo entre os povos, colocando assim à disposição de quem o quisesse: leis e costumes diferentes – e o mais das vezes até opostos – daqueles sob os quais A ruptura do círculo restrito da pólis e o conhecimento de costumes, usos e leis opostos deveriam constituir a premissa do relativismo, gerando a convicção de que aquilo que era considerado eternamente 20 MONDIN. Op. Cit. pp. 39 e 40
21 REALE. História da Filosofia: A Filosofia Antiga Pagã. p. 77
22 Idem. Ibidem
23 Idem. Ibidem
24 Idem. Ibidem
válido, na verdade não tinha valor em outros meios e em outras circunstâncias.25 Opõe-se de forma intransigente ao modelo de educação dos sofistas, a proposta para educação de Sócrates. Ao contrário dos sofistas, para Sócrates, só o conhecimento da verdade pode realmente tornar um homem um verdadeiro cidadão. Por isso, “Sócrates busca só a verdade e incita seus discípulos a descobri-la”26. Ademais, diferentemente do que pensavam os sofistas, para Sócrates, a verdade não é relativa, mas absoluta, ou seja, há conhecimentos e leis morais indeclináveis e, portanto, universais.27 De resto, enquanto os sofistas se jactavam por se julgarem sábios e capazes de ensinar, Sócrates, em evidente oposição a esta atitude, “(.) tem a visão de que ninguém pode ser mestre dos outros”28. A chamada ironia socrática, não era senão uma forma de questionar as próprias convicções que os sofistas tinham imprimido na cabeça dos jovens atenienses, fazendo-os, destarte, cair em tergiversações constrangedoras, de modo que a ironia, em Sócrates, “(.) tem por finalidade pôr a descoberto a vaidade, de desmascarar a impostura e Embora tal ironia provocasse “(.) irritação ou reações ainda piores nos sabichões e nos medíocres”30, àqueles que se viam despojados das suas falsas convenções, a refutação socrática se apresentava como uma verdadeira “(.) purificação das falsas certezas, ou seja, um efeito de purificação da ignorância”31. Portanto, Sócrates teve o mérito de ter “(.) sabido transformar a ironia em um método de educação, em um processo pedagógico e filosófico”32. Mas o método socrático não para apenas na ironia ou na refutação das falsas certezas. De fato, Sócrates estava convencido de que a verdade habita dentro nós e nos é acessível, faltando-nos apenas desapegarmo-nos das coisas exteriores e voltarmo-nos para o nosso próprio interior, isto é, para a nossa própria alma (psyché), a fim de aí descobri-la. Por conseguinte, ao educador caberá apenas ajudar “(.) seus discípulos a descobri-la neles mesmos”33. Na sua concepção, portanto, “Ele não é mestre, mas obstetra (maiêutica) (.)”34, 25 Idem. Ibidem. p. 74
26 MONDIN. Op. Cit. p. 48
27 Idem. Ibidem. p. 49: “Para Sócrates, existem conhecimentos e leis morais de valor absoluto, objetivo e,
portanto, universais.”
28 Idem. Ibidem. p. 48
29 Idem. Ibidem. p. 47
30 REALE. História da Filosofia: A Filosofia Antiga Pagã. p. 102
31 Idem. Ibidem
32 MONDIN. Op. Cit. p. 47
33 Idem. Op. Cit.
A sua arte educativa pode ser comparada com a de sua mãe, que era parteira, porque ele é como o médico que ajuda nos partos do espírito. Por causa deste aspecto o método de Sócrates é chamado maiêutica.35 Sem embargo, Sócrates “(.) não leciona aos discípulos, mas conversa, discute, guia-os em suas discussões, orienta-os para a descoberta da verdade”36. Com efeito, é neste sentido que entendemos que a filosofia socrática visa, antes de tudo, ser um método educacional, como bem observa o Prof. Giovanni Reale: “(.) as finalidades do método socrático são fundamentalmente de natureza ética e educativa, e apenas secundária e mediatamente de natureza lógica e gnosiológica”37. Mas já é tempo de perorarmos a nossa abordagem, dando nela uma última pincelada no sentido de realçar os seus corolários. 34 Idem. Op. Cit.
35 Idem. Op. Cit.
36 Idem. Op. Cit.
37 REALE. História da Filosofia: A Filosofia Antiga Pagã. p. 100.
Esperamos ter conseguido mostrar como, historicamente, no ocidente, as condições socioeconômicas possibilitaram o nascimento da filosofia, e a filosofia, por seu turno, entendida fundamentalmente como uma pedagoga, teve um papel preponderante na formação do cidadão, enquanto indivíduo ético e político, comprometido com a pólis, inserido nela, e portador de direitos e deveres inalienáveis com relação a ela.38 Além disso, malgrado o pouco espaço de que dispúnhamos, aspiramos ter logrado êxito no interregno do desenvolvimento deste texto, no sentido de haver deixado patente que a educação, desde o seu início vetusto na paideia grega, nunca teve, primariamente, uma função de doutrinar, ou seja, de simples transmissão de conhecimentos, mas, sim, de fazer com o que o próprio novel descobrisse, dentro de si, a verdade que nele habita, a fim de que pudesse, doravante, adquirir novos conhecimentos sozinho. De fato, o mestre é como um parteiro, cuja função é fazer com que o discípulo consiga tirar de dentro de si, a verdade sobre si, qual seja, a verdade sobre a sua própria essência racional. Finalmente, alentamos não ter sido debalde o nosso modesto esforço de mostrar que a educação sempre fora um meio de inserir os jovens na vida da pólis, de torná-los autônomos e atuantes nela, capazes, deveras, de intervir em suas decisões mais incoercíveis e de adquirir novos conhecimentos que possam aperfeiçoá-los. Por conseguinte, como verificamos, diante de tão nobre e atraente função, eram, pois, os próprios jovens, os que procuravam sedentos pelos mestres e pela própria educação. Afinal, através do nosso pequeno epítome da educação socrática, almejamos mostrar como a educação, conquanto de extrema utilidade para a práxis política, não pode ser utilitarista ou relativista, como nos sofistas, mas que, ao contrário, deve ser norteada por um ardente amor pela verdade, que encontra, antes de qualquer coisa, na sua própria Enfim, embora a educação socrática seja certamente criticável sob alguns aspectos e possa, e deva sofrer certas adaptações, o seu contributo para a nossa cultura é sem par. Ela nos ensina a todo instante que educar é tornar o homem autônomo, senhor de si, capaz de estar sozinho com a sua própria razão; e é este patrimônio de autonomia e senso de cidadania, que 38 Hoje verificamos tristemente como perdemos o verdadeiro conceito de filosofia, ao concebê-la como algo inócuo, insosso, sem nenhum contributo a dar para o homem moderno. A ponto de questionarmos se ela realmente deve estar entre o currículo das disciplinas que compõem a primeva educação dos nossos infantes. deverá ser o grande legado – ao qual chamamos cultura – que devemos transmitir aos nossos pósteros, enquanto educadores. Educação não é, portanto, nem principalmente e nem prioritariamente, erudição, acúmulo de conhecimentos, como queriam os sofistas. Gostaríamos de terminar este despretensioso ensaio sobre O Papel da Educação no Cenário Sócio-Histórico, coligindo duas passagens nas quais o Prof. Reale ressalta, com meridiana clareza, a importância da filosofia e da própria educação para a vida política em Fica claro, do que dissemos até aqui, que o verdadeiro político, para Sócrates, não podia ser senão o homem perfeito moralmente, ou seja, o político devia ser político na dimensão da alma e capaz de cuidar das almas dos outros. Platão fará Sócrates dizer que “o bom político” será aquele que cuida da alma dos outros.39 Já no Górgias, avaliando o alcance da obra educativa de Sócrates, deu-se conta de que, em comparação com ela, a dos políticos de profissão era quase nula, e não hesitou em proclamar Sócrates como o único “verdadeiro homem político” que a Grécia teve.40 39 Idem. História da Filosofia Antiga: Das Origens a Sócrates. p. 285
40 Idem. Ibidem. p. 286.
Através das aulas, da leitura dos textos do módulo e da própria pesquisa para este trabalho, percebemos que o modelo de educação que prevaleceu no ocidente foi o dos sofistas. Com efeito, nossa educação é moldada por princípios e pressupostos utilitaristas e pragmáticos, que se propõem atender, direta e imediatamente, aos interesses do estado e da política estatal. Como dissemos no corpo do texto, enquanto na Grécia antiga, a filosofia e a educação caminhavam juntas, hoje se questiona, inclusive, se é pertinente ou não, que se Ademais, o próprio educador tornou-se um “funcionário público”, encarregado de transmitir aqueles “conhecimentos” que realmente tornam possível a continuidade do paradigma vigente, qual seja, a lógica do capital. De fato, para nós, chama-se “trabalho” somente aquilo que produz capital ou gera capital. Quaisquer atividades que se desenvolvam, por mais laboriosas que sejam – inclusive o árduo exercício do pensamento – se não produzem ou geram capital de alguma forma, não podem ser consideradas propriamente “trabalho”. Tanto que quem as faz, não merece ganhar ou receber nada por aquilo que produz, visto que simplesmente não produz e nem faz nada, que seja supostamente útil, para dar continuidade à estrutura na qual vivemos. Além disso, a atual conjuntura forceja o educador a ser um professor, que entra em sala com um plano de aula e um espaço já bem demarcado e restrito por capítulos e módulos, que respondam quase de modo acrítico aos interesses do sistema. Criam-se tantas necessidades que, quando não é o próprio cansaço que nos esgota, são as veleidades que encontramos para nossa distração e consumo, que nos alienam da atividade do pensamento. Não há, pois, mais espaço para aquele tempo bucólico, do qual todos necessitam para desenvolver os seus próprios questionamentos, e para posicionar-se criticamente ante as questões mais urgentes desta existência. Tudo é feito para reproduzir e fazer vicejar, quase que automaticamente, o sistema de consumo já dominante. E a filosofia, que era a mais supina das ciências na antiguidade, há muito deu lugar à “sabedoria” procedente da “economia política”41. Não há mais tempo para pensar, salvo se for um raciocínio poiético, isto é, previamente condicionado para fins produtivos, “úteis”. De fato, hoje ninguém se considera suficientemente recompensado se passou a conhecer o que antes não conhecia, ou pelo fato de simplesmente ter ensinado a alguém a verdade; se não há vantagens econômicas, o tempo foi O nosso tempo está de uma maneira ou de outra, totalmente absorvido pelos meios de produção do capital. De modo que estamos o tempo todo ocupados: se não estamos produzindo, estamos consumindo. Todo o nosso ethos não é senão uma práxis, norteada e dominada pela axiologia do capital, quer dizer, o que determina os nossos juízos de escolha e as nossas preferências – o nosso bem, enfim – é o que se refere ao capital. Finalmente, quem não age de acordo com esta lógica, é excluído; aos que se dedicam ao ócio da contemplação, isto é, à vida teorética, e não se rendem aos lazeres alienantes e alienadores do sistema, aos que não cuidam de desenvolver novas artes (tchné) para a produção de riqueza monetária, são aplicados os mais desoladores epítetos: desocupado, improdutivo, inútil, preguiçoso, acomodado. 41 Apenas a titulo de exemplo. O termo “economia”, no princípio, como nota o filósofo Nicola Abbagnano, no seu Dicionário de Filosofia, designava uma ordem ou regularidade, que tornava possível a subsistência de um todo: já de uma casa, já de um Estado, já do próprio mundo: ABBAGNANO, Nicola. Op. Cit. v. “Economia”: “Ordem ou regularidade de uma totalidade qualquer, seja esta uma casa, uma cidade, um Estado ou o mundo.” A falar com maior exação ainda, a noção de economia dizia respeito a um conjunto de ações, que deveria ser a menor possível, que pudesse dar conta – da melhor maneira possível – da ordem e regularidade de um todo qualquer. É o que nota Abbagnano: Idem. Op. Cit: “Mas, ao menos no que diz respeito às totalidades finitas, a melhor ordem é a que produz o resultado máximo com o esforço mínimo (.)”. Portanto, a noção de economia era muito mais rica e abrangente do que a temos dela hoje, ela englobava todo o arcabouço estatal – visando torná-lo eficaz, enquanto justamente o simplificava – e não apenas o aspecto pecuniário, como tendemos a reduzi-la hoje. Ora, percebemos, afinal, que a única forma de sairmos desta lógica, é retornarmos ao humanismo proposto por Sócrates, ao primado da vida no espírito sobre o materialismo exacerbado que ele defendia, colocando na alma (psyché) a essência do homem. E este retorno deve começar, exatamente por onde Sócrates também começara, quero dizer, pelo questionamento das nossas mais pétreas certezas, já que na práxis humana, predominam as vicissitudes circunstanciais. Só assim teremos uma sociedade mais inclusiva e democrática – para todos – e menos exclusiva. Em uma palavra, toda revolução começa pela educação. BIBLIOGRAFIA
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4ª. Ed. Trad. Ivone Castilho Benedetti.
Rev. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MONDIN, Battista. Curso de Filosofia: Os Filósofos do Ocidente. 10ª. ed. Trad. Benôni
Lemos. Rev. João Bosco de Lavor Medeiros. São Paulo: Paulus, 1982. v. 1.
REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da Filosofia: A Filosofia Pagã. Trad. Ivo
Storniolo. Rev. Zolferino Tonon. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2004. v.1.
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: Das Origens a Sócrates. 4ª. ed. Trad.
Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002. v. 1.
_____. História da Filosofia Antiga: Léxico, Índices, Bibliografia. Trad. Henrique C. de
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995. v. 5.

Source: http://www.filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Educacao.pdf

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