V15n2a22

DEPRESSÃO, O MAL DO SÉCULO:
DE QUE SÉCULO?
DEPRESSION, THE ILLNESS OF THE CENTURY:
WHAT CENTURY?

RESUMO: Conhecer a história da depressão nos leva a entender o ser humano como hoje o conhecemose incorporamos. Este artigo tem por objetivo resgatar a história da depressão no mundo ocidental. Nãose trata de reescrever a história, mas sim de realizar uma análise historico-social, revisitando o temasob as perspectivas filosófica, poética e científica desde a antigüidade até os dias atuais. Acreditamosser de vital importância o profissional da área de saúde conhecer quais os paradigmas em que ele sebaseia no atendimento às pessoas com depressão, suas idéias e seus conceitos. Muitas vezes pode nãoestar consciente, mas são demonstrados em seus atos. Conhecendo a história da depressão, o profissionalpode tornar esses conceitos explícitos, analisá-los e decidir-se por mantê-los no atendimento às pessoascom depressão ou transformá-los, posicionando-se com consciência.
Palavras-chave: Palavras-chave: Depressão; história da psiquiatria; história de doença; filosofia.
ABSTRACT: : Acquaintance with the history of depression leads us to the understanding of the human being as we know and incorporate him today. This article aims at rescuing the history of depression inthe West. It is not meant at rewriting that history, but at making a socio historical analysis, revisiting thetheme under philosophic, poetic and scientific perspectives from early ancient days to date. It proves tobe vital for the health care professional to know the paradigms – ideas and concepts – he/she addresseswhen caring for individuals with depression. Although he/she might not be aware of them at times, his/her actions are always revealing. Familiar with the history of depression, the professional may resort tothese concepts more consciously, may analyze them and decide whether to abide by them or transformthem while caring for individuals with depression.
Keywords: Depression; history of psychiatry; history of disease; philosophy.
INTRODUÇÃO
A depressão é uma doença pós-moderna?
Etimologicamente, a palavra vem do grego melano Alguns podem pensar que sim, pois está sendo muito chole, significando bílis negra. O termo depressão comentada atualmente. O olhar da mídia direcionado foi inicialmente usado em inglês para descrever o para a depressão nos últimos anos, não é à toa.
desânimo em 1660, e entrou para o uso comum em No ultimo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão se situa em quarto lugar Conhecer a história da depressão nos leva a entre as principais causas de ônus entre todas as entender a invenção do ser humano como hoje o doenças, e as perspectivas são ainda mais sombrias.
conhecemos e incorporamos. Este artigo*** teve como Se persistir a incidência da depressão, até 2020 ela objetivo resgatar a história da depressão no Ocidente.
estará em segundo lugar. Em todo o mundo, somente Não se trata de reescrever a história, mas sim de realizar a doença isquêmica cardíaca a suplantará1.
uma análise historico-social, revisitando o tema sob No entanto, apesar dessas estatísticas, a as perspectivas científica, filosófica e poética. Afinal, depressão não é uma doença do século XXI.
antigamente os grandes pensadores eram filósofos, Perturbações há muito chamadas de melancolia são agora definidas como depressão. Primeiramente, vale Partimos do pressuposto que o conhecimento a pena conhecermos a definição de melancolia.
norteia a conduta do profissional. A depressão é p.298 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):298-304.
assunto atual e torna-se importante conhecer sua de não deixar o doente sozinho. Diante de observa- história para que os paradigmas nos quais a prática ções de que mulheres melhoravam após a menstrua- do profissional está baseada se tornem explícitos.
ção, foram sugeridas sangrias e evacuações, que per- Os filósofos gregos Platão e Aristóteles e o político e filósofo romano Cícero trouxeram, em suas oi realizado um levantamento bibliográfico obras, significativas contribuições para se em artigos e livros, que versavam sobre o tema dentro compreender tanto a psicologia humana quanto as das abordagens científica, filosófica e poética. Os doenças mentais. Aristóteles afirmou que os textos abrangeram o período de 1993 a 2006. Para melancólicos têm mais espírito que os outros5.
uma melhor organização dos dados, estes foram Por cerca de oito séculos, o racionalismo grego divididos, didaticamente, em quatro fases da história influenciou as formas de lidar com as doenças na Europa. Entretanto, com a queda do Império Romano, chegamos a uma outra época histórica, RESULTADOS E DISCUSSÃO
conhecida por muitos como a Idade das Trevas.
Trata do tema na Antiguidade, Idade Média, Idade Média (450 a 1400)
Idade Moderna e Idade Contemporânea.
O advento da Idade Média e a ascensão do Cristianismo como força política e religiosa do Estado Antigüidade (500 a. C. – 100 d. C.)
alterou completamente a forma como as doenças Mente sã em corpo são. Os gregos já partilhavam mentais eram vistas. O sobrenatural, a superstição e a idéia moderna de que as doenças da mente estão o misticismo ocuparam o lugar da medicina racional.
conectadas de algum modo à disfunção corporal. A Os tratamentos psicofarmacológicos entraram em prática médica grega era baseada na teoria dos quatro conflito com o paradigma da Igreja e foram sendo humores, que considerava o temperamento como conseqüência dos quatro fluidos corporais: fleuma, Santo Agostinho declarou que o que separava bile amarela, sangue e bile negra. A depressão foi os homens dos animais era o dom da razão. Portanto, por muito tempo ligada a um excesso de bile negra, a perda da razão era um desfavor de Deus, a punição que é fria e seca. Entretanto, essa substância não foi encontrada até hoje no ser humano. A teoria dos A depressão, ainda denominada melancolia, era humores foi um marco na história, pois consistiu na uma doença especialmente nociva, uma vez que o substituição da mitologia pela biologia e na adoção desespero do melancólico sugeria não estar ele de um modelo de observação clínica.
embebido de alegria ante o conhecimento certo do Hipócrates, no século V antes de Cristo, já amor e da misericórdia divinos. A melancolia era conhecia e definia a depressão com a denominação considerada um afastamento de tudo o que era sagrado.
de melancolia: “uma afecção sem febre, na qual o Foi nessa época, século V, que a depressão foi espírito triste permanece sem razão fixado em uma denominada por Cassiano apud Solomon2 como O mesma idéia, constantemente abatido [.]”3:14.
demônio do meio-dia. Segundo Cassiano, outros Podemos perceber, pela definição, que a pecados podem assolar a noite, mas esse, audacioso, depressão era considerada uma doença muito similar consome dia e noite2. O tratamento para esses casos como a vimos atualmente, inclusive os sintomas que sem esperança era colocar o melancólico para fazer Hipócrates apud Cuche e Gerard3:14 citava trabalhos manuais e abandoná-lo, longe de todos.
[.] perda de sono, falta de apetite, desejo de Na época da Inquisição, no século XIII, a morte [.]”. Já se procurava a origem biológica da patologia: “essa bílis negra que ao nos invadir, melancolia foi considerada um pecado e algumas age sobre o corpo e sobre a alma para criar tristeza pessoas eram multadas ou aprisionadas por carregarem esse mal da alma, que não tinha cura.
O tratamento proposto consistia em mudanças na dieta, ginástica, hidroterapia e medicamentos Idade Moderna (séculos XV a XIX)
orais, ervas catárticas, eméticas e purgantes destinadas Nesse período, vamos nos referir a grandes a eliminar o excesso da bile negra2. Ele acreditava épocas culturais que ocorreram na Europa, como o também na importância do diálogo e na necessidade Renascimento, o Iluminismo e o Romantismo.
R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):298-304. • p.299 Como o próprio nome nos leva a pensar, o racionalismo moderno ao fazer do sujeito do conhe- Renascimento retoma o racionalismo científico, cimento o fundamento de toda a verdade. Usando a representado por uma releitura dos filósofos gregos, razão e a dúvida, chegou na frase Penso, logo existo, como Sócrates, Platão e Aristóteles. É uma época desvelando perfeitamente o pensamento dos filóso- marcada pelo antropocentrismo, naturalismo e fos dessa época, conhecido como o Grande Racionalismo Clássico. Predominou a idéia de No século XVI, a noção de melancolia foi conquista científica e técnica de toda a realidade, a definida, parcialmente, pelos sintomas apresentados, partir da explicação mecânica e matemática do entre eles, as idéias delirantes. Há relatos de pessoas universo. É desse período a convicção de que a razão que acreditavam ser animais, outros pensavam ser humana é capaz de conhecer a origem, as causas e os feitos de vidro ou de palha e outros imaginavam ser efeitos das paixões e das emoções e, pela vontade orientada pelo intelecto, é capaz de governá-las e Nesse mesmo século, notamos significativos contrastes entre os pensadores europeus. No sul, a O reconhecimento da dicotomia entre corpo e melancolia foi glamourizada. Considerada como uma mente (dualismo cartesiano) vai causar uma enorme doença e uma qualidade inerente a um tipo de mudança no arcabouço da depressão. A mente, personalidade, indicava profundidade2.
distinta do cérebro, apresenta dúvidas, interpretações Marsilio Ficino, na Itália, foi o filósofo que mais duvidosas e inconsistências, mas não doença. A discutiu a depressão, supondo que a melancolia, doença é um aspecto físico7. É nessa época que presente em todos os homens, era a manifestação do começam os questionamentos que muitos ainda anseio humano pelo grande e o eterno. Dizia que fazem. A mente influencia o corpo ou é o corpo que todo gênio é um melancólico. Já os pensadores influencia a mente? A depressão é um desequilíbrio ingleses continuaram, por um tempo, a acreditar que a melancolia vinha das relações com anjos maus ou O delírio vai deixando de ser o sintoma maior das suas intromissões, porém as pessoas afligidas pelo dos melancólicos em virtude dos dados qualitativos, mal não eram responsáveis por essas intromissões2.
como a tristeza, o amargor, o gosto pela solidão, a No final do século XVI e ao longo do século imobilidade. Ao final do século XVIII serão classificadas como melancolia as loucuras sem delírio, XVII, a melancolia tornara-se uma aflição comum porém caracterizadas pela inércia, pelo desespero, por que podia ser prazerosa ou desprazerosa. Os argumentos de Ficino ecoaram por toda a Europa, a melancolia entrou na moda, sendo desejada. Muito O século XVIII foi marcado pelo Iluminismo, foi escrito sobre como a melancolia torna um homem termo usado para descrever as tendências do melhor e mais inspirado. Shakespeare, com o pensamento e da literatura na Europa e em toda a personagem Hamlet, mostra a melancolia como América antecedendo a Revolução Francesa. As essencial para a sabedoria e básica para a loucura2.
novas descobertas da ciência, a teoria da gravitação universal de Isaac Newton e o espírito de relativismo cultural fomentado pela exploração do mundo ainda anatomia da melancolia e discorre sobre o tema de não conhecido foram também uma base importante.
forma bastante complexa, unindo as idéias de É igualmente marcante a permanente fé no poder Aristóteles, Ficino, Hipócrates, os personagens de da razão humana. Chegou-se a declarar que, Shakespeare e experiências pessoais de melancolia mediante o uso judicioso da razão, seria possível um Até o começo do século XVII, o debate sobre a Com o acelerado desenvolvimento científico melancolia permaneceu preso à tradição dos quatro nesse século, surgem as primeiras teorias que vão dar humores e suas qualidades essenciais que pertencem origem aos pensamentos atuais. Friedrich Hoffman a uma substância “de consistência espessa, fria e seca foi o primeiro a sugerir que a loucura seria uma doença No final do século XVII e início do século William Cullen, médico escocês, afirmou que XVIII, com o desenvolvimento científico, esse na melancolia ocorreria uma alteração da função nervosa e não dos humores que levaria à O filósofo e matemático francês, René incapacidade de associar as idéias e executar o Descartes, no final do século XVII, inaugura o p.300 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):298-304.
A ciência avança, mas a posição social dos de- No Período Romântico, a depressão vai ser primidos retrocede. Numa Idade da Razão, os sem novamente amada e desejada. Poetas e filósofos discorrem sobre o assunto de forma magistral. O Já existiam hospitais para abrigar os doentes Romantismo surge como uma reação à parcialidade mentais desde a Idade Média, porém, na metade do do culto à razão apregoado pelo Iluminismo. As novas século XVII, resultante de uma reorganização social, palavras de ordem eram sentimento, imaginação, a loucura é associada à ociosidade e começa a ser experiência e anseio. Os românticos professavam uma vista como um elemento perturbador da ordem moral glorificação quase irrestrita do eu. A essência da personalidade romântica é, por isso mesmo, o gênio Entre os doentes mentais, os deprimidos sofriam menos abusos que os demais por serem relativamente As mentes se voltam para o sublime, ao mesmo dóceis. No entanto, a melancolia era considerada, tempo magnífico e comovedor. Immanuel Kant por muitos, intratável. Dessa forma, as pessoas que sustentava que o sublime sempre fora acompanhado sofriam das formas mais graves eram submetidas a por algum terror ou melancolia. Leopardi apud tratamentos aterrorizantes, como causar dor física, Solomon2:292 escreve “o destino não legou à nossa para distrair da dor da mente, afogamentos e raça nenhum dom exceto o de morrer”.
dispositivos para fazerem os melancólicos vomitarem O depressivo, na visão do filósofo Arthur Schopenhauer, vive simplesmente porque tem um O trabalho duro foi considerado, no século instinto básico e, assim como Voltaire, acreditava no XVIII, como o melhor remédio para a depressão, visto trabalho. Não porque o trabalho gere alegria, mas que a melancolia, o desalento, o desespero e porque distrai os homens de sua depressão essencial2.
freqüentemente o suicídio são a conseqüência da Soren Kierkegaard, precursor do existencialismo, visão sombria das coisas no estado relaxado do corpo2.
fala do desespero, não como uma questão filosófica Interessante observarmos que muitas concepções apenas, mas também como um problema concreto do atuais da depressão estão firmemente arraigadas nos dia-a-dia. Anteriormente, poetas e filósofos referiam- pensamentos da Idade da Razão. As questões do ócio, se a indivíduos melancólicos, mas Kierkegaard, preguiça, falta de vontade e a necessidade do trabalho diferentemente, vê a humanidade como melancólica2.
braçal ainda podem ser percebidas em alguns meios, O século XIX trouxe descobertas na biologia, quando ouvimos frases como: depressão é doença de na física, na química, na anatomia, na neurologia, quem não tem o que fazer e o remédio é um tanque cheio na bioquímica, o que permitiu relacionar as doenças mentais com a patologia orgânica do cérebro.
Talvez em decorrência das idéias iluministas de Foi um período de classificações. Grandes teóricos liberdade e do pensamento naturalista nas ciências, debateram a natureza da doença e seus parâmetros, surge a preocupação com a saúde mental dos redefinindo, o que antes fora simplesmente identificado indivíduos e com a assistência prestada dentro das casas como melancolia, em categorias e subcategorias.
de internamento ou asilos. Philippe Pinel e o tratamento Wilhelm Griesinger introduz a tradição clínica moral são dessa época. Em 1801, publicou o Tratado na Alemanha. Ele volta a sua atenção para médico-filosófico da alienação mental ou mania, no qual Hipócrates e declara que doenças mentais são classifica quatro espécies do gênero de loucura: mania, doenças do cérebro. As autópsias cerebrais tornaram- se comuns. Com Griesinger, a depressão veio a ser Esquirol, discípulo de Pinel, volta seu interesse para a clínica. Proclama que a psiquiatria deve ser O século XIX também foi chamado por Pessotti9 entendida como uma medicina mental e deve buscar de O século dos manicômios, devido ao enorme número seu entendimento na anatomia cerebral e não nos de manicômios construídos e ao grande número de metafísicos (filósofos) ou nos moralistas (a Igreja).
internações realizadas nessa época. O manicômio foi Ele inicia uma classificação de dois tipos de o núcleo gerador da psiquiatria como especialidade melancolia, a lipemania e a monomania4.
Michel Foucault sugeriu que essa medicalização estudiosos em classificar as doenças. Eles começam a fazia parte de um plano de controle social2. O separar em grupos os transtornos do juízo e os quadros capitalismo imperialista e monopolista estava R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):298-304. • p.301 Friedrich Nietzsche declarou que Deus estava estudos foram realizados para se descobrir quais são morto e que fomos nós que o matamos. O filósofo os neurotransmissores que regulam as emoções, porém William James identificou uma alienação modernista ainda não há pesquisas conclusivas.
em decorrência da decadência na fé inquestionável Os anos 90 foram denominados a década do cé- de um Deus supremo. Esse abandono da noção de rebro, em virtude dos progressos científicos ocorri- Deus e de significado abriu caminho para agonias dos em torno da compreensão e tratamento das en- fermidades mentais. Amen10 relata estudos com Idade Contemporânea (século XX até os eletroencefalograma (EEG), tomografia computado-
rizada de emissão de fóton único (SPECT) e dias atuais)
tomografia com emissão de pósitron (PET), os quais psiquiatria, além disso, surgiram os movimentos Os padrões do cérebro se correlacionam com o sociais e comunitários que visavam modificar as comportamento, como as tendências em relação formas de atendimento e assistência ao paciente à depressão, à ansiedade, à distração, à obsessão psiquiátrico. Os avanços e descobertas em psicopatologia, farmacologia, anatomia patológica, Com relação à depressão, o autor cita algumas neurologia e genética possibilitaram que a psiquiatria pesquisas que indicaram alterações em algumas regiões adquirisse fundamentação científica para os cerebrais, como a amígdala e o hipocampo, entre conhecimentos oriundos da prática clínica, da outras, mas ainda não conclusivos10.
A psiconeuroimunologia aponta a existência de Em 1917, Sigmund Freud escreveu Luto e uma comunicação bidirecional entre os sistemas melancolia, texto no qual afirma que a melancolia é imunológico e neuroendócrino. Existem consideráveis uma forma de luto e que surge de uma sensação de evidências de que a depressão maior esteja associada a perda da libido. Considera que, na melancolia, o ego alterações do sistema imunológico11.
O advento dos psicofármacos e a criação da Emil Kraepelin, em seu Compêndio de Psiquiatria, Organização Mundial de Saúde, em 1948, impul- publicado em 1883, representou a grande força que sionaram a tentativa de construir uma classificação impulsionou o aperfeiçoamento da nosologia psiquiátrica no início do século XX. Supunha que toda A depressão, no início do século XXI, é, com doença mental se erigia sobre uma base bioquímica algumas exceções, considerada uma doença mental, interna. Separou a depressão em três categorias, da catalogada na Classificação Estatística Internacional mais suave à mais grave, permitindo uma relação entre de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde elas. Quanto à sua etiologia, a hereditariedade se (CID) e no Manual de Diagnóstico e Estatística das destacava, em 1970, com 80% dos casos2.
Perturbações Mentais (DSM), recebendo abordagens Adolf Meyer adotou uma abordagem pragmática, científicas, como a médica, a psicanalítica e a considerando o homem como um ser psicobiológico, cognitivista. No senso comum, não menos importante, sujeito a experiências e ações sociais e biológicas que observamos ainda as visões filosófica, religiosa e poética.
interferiam no seu desenvolvimento mental. É o A preocupação atual com o diagnóstico é muito começo da psiquiatria como uma terapia dinâmica2.
grande, porém pesquisas demonstram que, em média, O conhecimento da psicanálise e da bioquímica 50% das pessoas que chegam à rede básica de saúde da depressão, mescladas com a Teoria da Evolução, com sintomas de depressão não recebem diagnóstico a Teoria da Relatividade e a Teoria Quântica, deixaram novamente a humanidade isolada e Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) alienada. Ao nos confrontarmos com essa perda do surgiram como alternativa para o tratamento, Absoluto (Deus e as certezas físicas e matemáticas), substituindo o modelo do hospital psiquiátrico deparamo-nos com lacunas de conhecimento ainda tradicional. No cotidiano do trabalho nos CAPS são maiores nas esferas biológica, psicológica e social.
realizadas atividades que visam à socialização da Na década de 1950, os antidepressivos foram pessoa portadora de transtorno psíquico, entre elas: descobertos, ocasionando um avanço para o educação física, oficinas culturais, oficinas de música, tratamento da depressão. Os mecanismos de ação de expressão corporal, de dança, caminhadas no mantêm relação com os neurotransmissores. Vários p.302 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):298-304.
A depressão é um tema muito estudado e com demonstrados em seus atos. Conhecendo a história forte relevância. Autores contemporâneos vêm da depressão, o profissional pode tornar esses realizando estudos que trazem novidades unidas a conceitos explícitos, analisá-los e decidir-se por tratamentos antigos como exercícios físicos. Um mantê-los no atendimento às pessoas com depressão desses autores é o neuropsiquiatra Servan-Shreiber14 ou transformá-los, posicionando-se com consciência.
que descreve sete abordagens de tratamento natural, centradas na mente e nos mecanismos de cura do REFERÊNCIAS
próprio cérebro para se recuperar de depressão, 1. Organização Mundial de Saúde. Relatório sobre a saúde no mundo 2001: saúde mental: nova concepção, CONSIDERAÇÕES FINAIS
nova esperança: Geneva (CH): MS;2001.
2. Solomon A. O demônio do meio-dia. Rio de Janeiro: 3. Cuche H, Gerard A. Não agüento mais: um guia há ainda uma conclusão, portanto apresentamos al- para compreender e combater a depressão. 2aed. Cam- gumas considerações finais deste artigo.
Interessante observar que, após 25 séculos, nos 4. Cordás TA. Depressão, da bile negra aos voltamos para Hipócrates, colocando a depressão neurotransmissores: uma introdução histórica. São como uma doença que envolve alterações cerebrais.
5. Chaui M. Convite à filosofia. 11aed. São Paulo: Ática; Obviamente, hoje temos uma tecnologia que não existia, o que nos possibilita demonstrar isso.
6. Foucault M. História da loucura. 7aed. São Paulo: Tecnologia que ainda não nos ajudou a saber a etiologia completa, os achados cerebrais não estão presentes em 7. Marinoff L. Mais Platão, menos Prozac. 2aed. Rio de todos os pacientes, há vários tipos de depressão diagnosticadas. Ainda não entendemos por que um 8. Ribeiro PRM. Da psiquiatria à saúde mental: esboço paciente sofre de apenas um episódio depressivo, outros histórico. J Bras Psiq. 1999; 48:53-60.
têm várias recaídas, tomando antidepressivos para o 9. Pessotti I. O século dos manicômios. Rio de Janeiro: resto da vida e outros ainda cometem o suicídio.
10. Amen DG. Transforme seu cérebro, transforme sua O estigma ainda é muito grande, ouvimos frases que nos lembram a Idade Média, outras nos lembram 11. Bauer MO, Gauer GJ, Nardi NB. Depressão maior a Idade da Razão. O dualismo e o reducionismo e atividade do sistema imunológico. Rev ABP-APAL.
cartesiano estão muito presentes. As idéias positivistas de que, com a tecnologia adequada, possuiremos todo 12. Valentini W, Kohn R, Miranda CT, Mello AAF, Mello MF, Ramos CP et al. Treinamento de clínicos o conhecimento sobre tudo ainda são observadas. A para o diagnóstico e tratamento da depressão. Rev cega na ciência positivista, em detrimento do ser humano, infelizmente, permanece presente.
13. Kantorski LP, Souza J, Willrich JQ, Mielke FB. O cuidado em saúde mental: um olhar a partir de profissional da área de saúde conhecer quais os documentos e da observação participante. R Enferm paradigmas em que ele se baseia no atendimento às 14. Servan-Schreiber D. Curar o stress, a ansiedade e a pessoas com depressão, suas idéias e seus conceitos.
depressão sem medicamento nem psicanálise. São Muitas vezes pode não estar consciente, mas são R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):298-304. • p.303 DEPRESIÓN, LA ENFERMEDAD DEL SIGLO: ¿DE QUÉ SIGLO?
RESUMEN:
RESUMEN: El conocimiento de la historia de la depresión nos conduce a comprender el ser humanotal como hoy lo conocimos e incorporamos. Este artículo se propone rescatar la historia de la depresiónen Occidente. No se trata de volver a escribir la historia sino realizar un análisis sociohistórico, haceruna relectura del tema bajo perspectivas filosófica, poética y científica desde tiempos remotos hasta laactualidad. Creemos que es fundamental que el profesional del área de la salud conozca cuales son losparadigmas en que él se basa para la atención a personas con depresión, sus ideas y sus conceptos.
Muchas veces puede no estar consciente pero los expone en sus actos. Conociendo la historia de ladepresión, el profesional puede hacer esos conceptos explícitos, analizarlos y decidirse por mantenerloscuando atiende a las personas con depresión o transformarlos, posicionándose con consciencia.
Palabras Clave: Depresión; historia de la psiquiatría; historia de dolencia; filosofía.
Recebido em: 17.02.2006Aprovado em: 04.11.2006 Notas*Enfermeira, Doutoranda em Enfermagem pela EEUSP, Mestre em Enfermagem Psiquiátrica, Docente do Centro Universitário Nove de Julho -UNINOVE. E-mail [email protected] R.: Profº Roberval Fróes, 44, Jd. Esplanada II, São José dos Campos–SP. CEP 12242-460.
**Enfermeira, Professora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrico da EEUSP. E-mail [email protected].
***Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado intitulada “Depressão: experiência de pessoas que a vivenciam na pós-modernidade”. Escola deEnfermagem da USP, 2005.
p.304 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):298-304.

Source: http://www.facenf.uerj.br/v15n2/v15n2a22.pdf

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