A IMPORTÂNCIA DO CADASTRO NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO URBANO PORTUGUÊS
cadastro pode introduzir no processo de desen-volvimento urbano, 2) analisar os constrangi-
É ainda vulgar ouvir-se dos agentes ligados
mentos que provoca no processo de planea-
ao processo de desenvolvimento urbano portu-
mento, 3) identificar acções do sistema de pla-
guês que o cadastro original é o principal ou um
neamento que permitam ultrapassar os proble-
dos principais problemas que se colocam na
mas identificados, e 4) relacionar a existência
construção de ambientes urbanos de qualidade.
destes problemas com a qualidade ambiental
urbana resultante de diferentes processos de
tizar o efectivo papel do cadastro no processo
de planeamento local português, através de
A metodologia usada parte da investigação
exemplos concretos de iniciativa pública e pri-
documental sobre o tema para problematizar
vada, considerados como significativos no
as questões associadas com recurso a modelos
de desenvolvimento urbano, urban develop-
ordenamento do território nacional. ment models, (para uma revisão dos mesmos
Com base na análise feita sugerimos que o
veja-se Gore, 1991; e Healey, 1991). Apresen-
cadastro em si mesmo é relativamente pouco
tam-se de seguida estudos de caso de proces-
sos de desenvolvimento urbano nos bairros
sobretudo os públicos, assumem comporta-
Feijó (Almada) e Massamá (Sintra) que rela-
mentos activos e de qualidade no âmbito do
cionam a importância do cadastro com outras
características essenciais dos referidos proces-sos, nomeadamente as variáveis comporta-mento dos diferentes agentes, do planeamento
As limitações deste artigo são grandes
Os objectivos deste artigo são os seguintes:
dada a quase ausência de estudos sobre a com-
1) analisar os problemas que na prática o
partimentação do cadastro urbano e rural e asua influência na produção de espaço urbanosde qualidade. Os estudos encontrados, à
* Professor Adjunto da Escola Superior de Edu-
excepção dos realizados por juristas, funda-
mentalmente sobre os problemas da posse do
processo de desenvolvimento urbano. É este o
solo, incidem no controlo do desenvolvimento
urbano. Os dados apresentados referentes aos
estudos de caso dos bairros de Feijó e Mas-
embora com algumas ligações, uma vez que o
samá não estão totalmente actualizados, repor-
conhecimento da posse do solo é fundamental
tando-se ao ano de 2008. Contudo esta limita-
para o planeamento e ordenamento do territó-
ção não é muito significativa, sobretudo no
rio. Este problema é fundamentalmente de
caso de Massamá, porque as alterações ocorri-
acesso à informação, ainda assim uma questão
das são absolutamente insignificantes já que
relevante na definição de soluções territoriais.
apenas faltava construir um pequeno número
Na prática, cerca de 1/5 do território português
de vivendas. No caso do Feijó, bairro ainda
não tem dono ou a sua posse é desconhecida1.
relativamente longe da sua consolidação física
Na inexistência de informação disponível
e social, as alterações podem ter sido maiores,
actualizada sobre o cadastro, de forma siste-
mas ainda assim não muito importantes por-
mática, o que se verifica na prática é a neces-
que as negociações se encontravam termina-
sidade de proceder a levantamentos cadastrais
das à excepção de um único alvará de lotea-
caso a caso para a realização de planos, o que
mento ainda em fase de apreciação.
encarece o processo de planeamento, torna asdecisões menos transparentes e o planeamentomais moroso.
De facto a história do planeamento (sobre-
tudo do planeamento urbano) e do cadastro
tem tido em Portugal uma evolução separada.
Porque o desenvolvimento urbano foi excluídoda jurisdição do cadastro geométrico, o que
Na bibliografia existente sobre o planea-
quer dizer que em geral os solos urbanos esti-
mento em Portugal e sobretudo na prática do
veram excluídos da jurisdição do antigo Insti-
planeamento continua a fazer-se referência à
tuto Geográfico e Cadastral e logo não foram
importância do cadastro no processo de desen-
feitas actualizações nos territórios urbanizados
volvimento urbano português. A referência é
ou em processos de desenvolvimento urbano
sempre negativa mas tem múltiplos significa-
(Borges, 1994: 25). Para além disso, a inicia-
dos. É preciso então dilucidar o conceito.
tiva de realização do chamado cadastro geo-métrico da propriedade rústica, que decorreuentre 1930 e 1995 foi apenas realizada em
cerca de metade do território nacional, e de
forma actualizada em apenas 15 % deste.
Assim, e na prática, tal situação deu origem
De facto do ponto de vista do ordenamento
a dificuldades acrescidas de gestão territorial
do território há duas questões relevantes
para os municípios, quer para os «urbanos»
quando se fala de cadastro. Uma tem que vercom a inexistência de um cadastro rigoroso eactualizado do território nacional; a outra
1 Informação prestada em entrevista ao Jornal
constitui-se em torno dos problemas que a
Diário de Notícias pelo Secretário de Estado deOrdenamento do Território, Prof. João Ferrão, que
repartição, dimensão, posse e comportamento
refere a propósito: «É impossível gerir um território
dos proprietários das parcelas que constituem
que não se conhece». Diário de Notícias. 20 de Maio
o território nacional podem ter no contexto do
quer para os «rurais», uma vez que não dispu-
seram na grande maioria dos casos de informa-
ção cadastral actualizada e correcta. Alémdisso os registos actualizados da posse de pré-
Do ponto de vista do processo de desenvol-
dios rústicos e urbanos são realizados para efei-
vimento urbano os problemas que o cadastro
tos fiscais nas repartições de finanças e para
normalmente levanta, para além do acesso à
efeitos da titularidade da sua posse nas conser-
informação são muito diversificados. Entende-
vatórias de registo predial. Em nenhum dos
mos aqui este processo como sendo a formata-
casos é obrigatória a sua representação espacial
ção do espaço rural e sua passagem a urbano
aquando dos diversos actos de aquisição, pelo
através de diversas fases que envolvem vários
que a actualização cadastral se faz por inicia-
agentes e actores e que termina com a consoli-
tiva do próprio Instituto. A informação rele-
dação física e social do espaço urbano, no caso
vante para a criação de espaços urbanos apre-
português e na actualidade, através do acto
senta-se assim fragmentada e de difícil acesso.
administrativo de recepção das obras no espaço
público e devolução das quantias caucionadas
Bases de Política de Ordenamento do Território
em alvarás de loteamento ou licenças de edifi-
e de Urbanismo2 (LBPOTU) e o Regime Jurí-
cação aos promotores e/ou construtores.
dico dos Instrumentos de Gestão Territorial3
Considerar o cadastro implica ter em conta
(RJIGT), previram a criação de um sistema
(Figura 1) a posse do solo, a sua dimensão, os
nacional de dados sobre o território, articulado
usos do solo que são permitidos e as suas con-
aos níveis regional e local. Esse sistema, desig-
dicionantes. Implica ainda considerar a acção
nado Sistema Nacional de Exploração e Gestão
dos diferentes agentes no processo, nomeada-
de Informação Cadastral (SiNEerGIC) foi lan-
mente o Estado (local e central) e os proprie-
çado em 2007 em regime experimental4, estará
tários, promotores, urbanizadores e demais
em princípio concluído em 2016, e espera-se
agentes envolvidos. Por isso quando falamos
que consiga beneficiar da aprendizagem entre-
de cadastro estamos a falar também de rela-
tanto realizada com a actualização do cadastro
ções de poder relativamente ao uso do solo.
geométrico bem como das iniciativas decorren-
Essas relações também são variáveis em fun-
tes da aplicação do «malogrado» Decreto-Lei
ção da dimensão das parcelas. De certa forma,
n.º 172/95 que apenas cobriu cerca de 1,5% do
como numa peça de teatro, do cadastro pode
território nacional mas que garantiu o carácter
resultar o elenco, a cenografia e parte da ence-
integrador e multifuncional do cadastro. Trata-
se de uma verdadeira revolução que «casará» o
planeamento e ordenamento do território com o
características variáveis do sistema de pla-
cadastro, pela interoperabilidade da informa-
neamento nacional e da procura de espaços
ção, e cujo retorno se estima, a 30 anos, em 3,8
urbanizados que determina sua construção
vezes o investimento a realizar, estimado em
vários motivos. Pode bloquear a iniciativa deurbanização, arrastar negociações, provocar aurbanização extensiva, promover urbaniza-
2 Lei n.º 48/98, artigo 29.º. 3 Decreto-Lei n.º 380/99, artigo 147.º. 4 Decreto-Lei n.º 224/2007, mas com base na
5 Augusto Mateus & Associados, Pricewater-
anterior resolução do Conselho de Ministros n.º
house Coopers (2007) – Conceptualização e concre-
45/2006 de 4 de Maio, que lançou as linhas orienta-
tização de uma avaliação económico-financeira ex-ante da implemtação do projecto SINERGIC. 72 p.
ções com graves carências de equipamentos e
de qualidade porque à dimensão reduzida das
parcelas corresponde um número elevado de
proprietários o que dificulta aos promotores e
fraccionada aparece a propriedade privada,
ao Estado a realização de planos e projectos.
mais difícil é encontrarem-se espaços urbanos
Relativamente ao tema, em Portugal, a pro-
Figura 1 – O cadastro como problema, pressupondo-se a iniciativa de urbanização Problemas Posse: número proprietários e seu comportamento,
Dimensão: pequena, grande, suficiente ou insufi-
Parcelas Uso do solo e condicionantes: urbano, rural, RAN,REN, admissibilidade construtiva…
Estado: planeamento, controlo des. Urbano…
Promotor(es): número, comportamento…
blemática mais antiga e marcante parece-nos ser
a que defende a imprescindibilidade de uma ini-
exemplos que envolvem a posse total do solo a
ciativa pública forte, envolvendo a posse do
realização e implementação dos Planos Inte-
solo. A posse do solo por parte do Estado resolve
grados do decénio de 70 (Almada, Setúbal e
de facto o problema da multiplicidade de agen-
Zambujal – Amadora) (Pereira, 1986: p. 74-79)
tes envolvidos, torna mais rápido o processo de
contudo, dado o seu carácter sectorial, não se
construção de espaços urbanos, e permite defen-
pode considerar que sejam exemplos «puros»
der o interesse público e melhorar a qualidade
desta convicção, embora ela esteja presente.
dos ambientes urbanos através de planos.
Contudo quer a evolução contextual histó-
Esta corrente radica, pelo menos, na tradi-
ção da nossa urbanística formal (Lamas, 1993:
urbanismo, tanto em Portugal como na grande
p. 281-292) que alia planos de diversos tipos à
maioria dos países estrangeiros, acabaram por
posse do solo. Muito especialmente a desig-
impor que o modelo de intervenção dos muni-
nada «urbanística à Duarte Pacheco» (Gonçal-
cípios na política de solos através da posse do
ves, 1981) que deixou escola em Portugal e na
solo, obtida por expropriação ou aquisição no
gestão fundiária da cidade de Lisboa, alvo de
mercado fosse progressivamente abandonado.
expropriações sistemáticas dos anos 30 aos
anos 60. De entre as realizações paradigmáti-
mente maior relevância no processo de urbani-
cas desta corrente podemos destacar os bairros
zação outros instrumentos de política de solos
de Alvalade dos anos 40 e o bairro de Olivais-
que não implicam a posse pública do solo,
Sul dos anos 50 e 60. Outro elemento desta
nomeadamente o planeamento local e regio-
corrente é a assumpção do plano formal como
nal, os instrumentos de controlo fiscal de
elemento-chave da política urbanística (Sal-
escala nacional e local, incluindo-se aqui os
por vezes esquecidos regulamentos de taxas
tarifas, licenças e preços municipais (RTTLP)
nuição da pressão para urbanizar e a instalação
e as parcerias e iniciativas mistas entre os sec-
tores público e privado de que a Empresa
país em meados dos anos 90 de Planos Direc-
Pública de Urbanização de Lisboa continua a
tores Municipais (PDM) definidores do uso do
solo, e do crescimento do número de Planos de
Assim a questão do cadastro no paradigma
Pormenor (PP) e de Planos de Urbanização
de posse privada do solo é fundamentalmente
(PU), ainda assim com uma cobertura muito
uma questão de qualidade do planeamento e
insuficiente do «mapa do sim» (das áreas
urbanizáveis). Ao mesmo tempo verifica-se o
quase desaparecimento de iniciativas de urba-
tarefa de «síntese possível» das dinâmicas ter-
nização do Estado (local e central).
ritoriais, sociais e económicas, e dos seusagentes.
planeamento podemos aqui distinguir o pla-neamento propriamente dito consubstanciado
através de planos aprovados, e o controlo dodesenvolvimento urbano, definido enquanto
prática de gestão quotidiana do uso do solo no
cadastro relativamente ao processo de desen-
município (Ratcliffe, 1996: p. 29-34).
volvimento urbano através da utilização de um
No essencial, em Portugal e relativamente
modelo síntese de desenvolvimento urbano
às características do desenvolvimento urbano
(Tabela I), de entre os modelos que permitem
assistimos a três tendências diferentes dos
analisar o comportamento dos diversos actores
anos 60 até à actualidade. A progressiva dimi-
no processo de desenvolvimento urbano. Tabela 1 – Principais variáveis consideradas no processo de desenvolvimento urbano Fases do desenvolvimento Variáveis 1.ª fase: Pressões para a sua realização
Compartimentação do cadastroIniciativa do desenvolvimento urbanoAgentes envolvidos e seus interesses e objectivosExistência de planeamento prévio enquadrador do desenvolvimento urbanoTipo de planeamento
2.ª fase: Avaliação da sua
Reacção das autoridades de planeamento e controlo do desenvolvimento urbano
viabilidade
Negociação do desenvolvimento urbanoGrau de controlo do desenvolvimento urbano nas componentes de desenho urbano, redeviária e cedência de solo para a colectividadeAplicação da legislação sobre áreas de cedênciasAgentes envolvidos
3.ª fase: Implementação
Monitorização do planeamentoNegociação do desenvolvimento urbanoTempo de conclusão das obras de urbanizaçãoAgentes envolvidos
Este modelo tem a vantagem de destacar as
principais variáveis no decurso do processo de
desenvolvimento urbano. Algumas são variá-
A questão do cadastro é sobretudo rele-
veis contextuais ou de provisão (Gore, 1991)
vante durante as primeira e segunda fases uma
como a iniciativa de urbanizar ligada à procura
vez que o cadastro pode determinar o número
de espaços urbanos, a posse do solo e sua com-
de agentes envolvidos e o processo negocial. A
partimentação ligada naturalmente à estrutura
última fase, da implementação, deriva funda-
económica e social local ou regional e a situa-
mentalmente das características da administra-
ção económica e social geradora de dinâmicas
ção urbanística e do seu comportamento face a
territoriais. As outras resultam fundamental-
eventuais mudanças ocorridas nos parâmetros
mente do comportamento dos diferentes agen-
de edificabilidade, nas tipologias permitidas e
tes, nomeadamente do Estado (local e central)
na localização das áreas de cedência.
como principal responsável pela definição do
A Figura 2 apresenta um esboço tipológico
quadro normativo enquadrador do processo, e
das questões que o cadastro pode levantar num
apenas parte desse território se apresenta
diversas fases que permitem problematizar o
coberto por PP’s ou PU’s, em contexto de
papel que as várias variáveis consideradas
Figura 2 – Problemas provocados pelo cadastro com posse privada do solo Controlo do desenvolvimento urbano – Difícil gestão da perequação– Diminuição poder negocial– Visibilidade do cadastro no desenho
dono, de existirem conflitos entre os proprietá-
actualidade, o que é comum à grande maioria
rios, como partilhas judiciais ou ajustamentos
dos municípios portugueses com PDM apro-
de limites entre parcelas. Todas estas ocorrên-
vado. Isto é, que as áreas urbanizadas são
cias podem fazer aumentar muito o número de
muito superiores às necessárias de acordo com
anos de preparação das iniciativas de urbani-
o prospectivado e que não existem instrumen-
zação e atrasá-las enormemente. De resto e em
tos capazes de direccionar ou priorizar as áreas
contexto de quase inoperância dos instrumen-
a urbanizar, que em princípio, neste caso deve-
tos de política fiscal, a inércia e entesoura-
rão ser as que têm PU ou PP aprovado.
mento passivo podem ser estratégias muito
De facto e pressupondo-se a iniciativa pri-
interessantes e recompensadoras a equacionar
vada de urbanização o problema do bloqueio
no comportamento dos proprietários.
da iniciativa de urbanização pode existir pelo
É evidente que para as ultrapassar existe
facto de determinadas parcelas não terem
sempre a possibilidade de utilizar a figura da
expropriação. Hoje essa utilização não é tão
Reserva Agrícola Nacional (RAN) que conduz
limitada como foi no passado em que ou não
também muitas vezes à criação de espaços
eram dados aos municípios os meios financei-
ros ou os instrumentos legais para tal (Gonçal-
cadastro (Pardal, 2002: 109). O mesmo ocorre
ves, 1974) mas continua praticamente a não ser
em algumas áreas protegidas com parâmetros
aplicada para a produção de espaços urbanos
de edificabilidade muito baixos. Nestes casos
por motivos não apenas financeiros mas tam-
o que acontece muitas vezes é o nem sempre
bém culturais e políticos (Carvalho, 2003: 400).
discreto reparcelamento cadastral de forma
As negociações entre proprietários, pro-
atingir as áreas necessárias para alcançar a edi-
motores e as autoridades podem também ser
ficabilidade permitida. O mesmo pode aconte-
prolongadas no tempo pela existência de um
cer em áreas urbanas com edificabilidade
muito baixa, nas quais o cadastro muda, em
objectivos e estratégias diferentes, quer exis-
conformidade. Nestes casos está bem patente a
tam PP’s e PU’s aprovados ou não, embora,
necessidade de monitorização e de acesso às
em princípio, a realização destes planos já
informações cadastrais para travar dinâmicas
deva ter dirimido o essencial das tensões ou
deste tipo. Acesso que, como já se viu, não é
conflitos existentes entre os participantes. Em
fácil atendendo à desactualização do cadastro.
qualquer dos casos a existência de numerosos
A gestão «dos encargos e benefícios» da
proprietários traz um esforço acrescido às
urbanização, designada por perequação6 é um
autoridades de planeamento em todas as fases
instrumento justo e equitativo que permite que
os proprietários de terrenos urbanizáveis não
Outra questão particularmente relevante é
sejam prejudicados pelo desenho urbano. Mas
a do poder negocial nas diferentes fases de
ela também pode ser muito dificultada pelo
desenvolvimento urbano. De facto a concen-
número e comportamento dos proprietários e
tração da propriedade na posse de apenas
promotores. Porque a perequação implica a
alguns promotores pode trazer dificuldades de
redistribuição, pelo menos à escala do PP7, é
negociação acrescidas para as autoridades de
necessária que as áreas a construir no plano o
sejam na sua quase totalidade para que haja o
espaço urbano, estão mais permeáveis aos seus
que redistribuir. Se parcelas importantes do
argumentos. Neste caso e contrariamente ao
que a prática habitualmente demonstra o pro-
implica o recurso a meios financeiros ou de
blema não reside na pulverização da posse do
solos dos municípios que nem sempre existem
Por último é importante referir os impactes
actual contexto em que se procura conter o
na paisagem do cadastro, que se torna muitas
espaço periurbano, está quase limitado aos ter-
vezes visível não só pelas descontinuidades
ritórios não cobertos por PP’s e PU’s. Este
estruturais do tecido urbano (estradas, vias de
fenómeno acontece dada a atitude permissiva
circulação), mas também pelas características
dos municípios face aos pedidos de lotea-
arquitectónicas e paramétricas, como sejam a
mento não incluídos em planos aprovados
contiguidade aleatória de estilos diferentes,
(Carvalho, 2003: p. 371-378). Neste caso ocarácter casuístico do planeamento acentua o
6 Introduzida no sistema de planeamento pelo
Ainda relativamente à urbanização exten-
7 Relativamente à polémica sobre a escala de
siva há a referir a prática da aplicação da
aplicação da perequação veja-se Carvalho (2007).
soluções de desenho urbano desintegradas,
No Feijó a situação inicial era a seguinte:
volumetrias muito diferentes sem transições
«Almada foi, nos últimos anos antes do 25 de
… Essa situação em princípio só é susceptível
Abril uma das áreas de Lisboa onde mais se fez
de ocorrer na ausência de PP ou de PU.
sentir o investimento imobiliário, desenca-deando-se um processo de especulação, desviossistemáticos ao cumprimento da legislação
sobre loteamento urbano, negócios marginais,derrogação das licenças camarárias com suces-
siva densificação e ocupação do solo (…) umadesorganização quase total dos processos de
Foi feita uma análise processual do desen-
loteamento, a referência a compromissos por
volvimento urbano de dois bairros da Área
anteriores administrações não formalizadas nos
Metropolitana de Lisboa, o Plano Parcial 9 (PP-
processos ou, pelo menos, indefinidos, o ultra-
9) (Figura 3), em Almada, iniciado em 1974 e
passar sistemático dos valores fixados nos pla-
Massamá (Fig. 4), em Sintra, iniciado em 1977.
nos, quando da passagem do loteamento para o
Ambos os processos decorrem em contexto de
licenciamento dos edifícios. Daí que a Câmara
posse privada do solo e com grande comparti-
não disponha de um conhecimento rigoroso dos
mentação do cadastro, mas com diferenças mui-
compromissos jurídico-administrativos assumi-
tos significativas noutras variáveis designada-
dos pelo município, e que o inventariar da situa-
mente na atitude do planeamento e no controlo
ção se torne hoje uma operação difícil e extre-
mamente morosa» (CIPRO, 1978: p. 6). Figura 3 – PP-9: Divisão cadastral e identificação dos processos de loteamento
No caso de Massamá a administração urba-
Almada (CMA) decide adjudicar a realização
nística foi confrontada sucessivamente com
de um Plano Parcial de Urbanização assu-
vários estudos de loteamento que, no essencial,
mindo assim um comportamento proactivo.
pertenciam a dois únicos urbanizadores. Um
Esse plano, embora nunca tenha sido formal-
primeiro, em parcelas de grandes dimensões
mente aprovado, propôs um desenho unitário
(ver Figura 4 n.º 7) daria origem ao alvará 9/77,
para todo o território em estudo dessa área de
com uma proposta de reduzidas densidades e
expansão da recente cidade de Almada e foi
com generosas cedências de terrenos grosso
um dos primeiros do país a aplicar a «pere-
modo correspondentes aos terrenos da futura
quação dos encargos e benefícios». Para o
cidade desportiva e do alvará 45/82. Posterior-
efeito estabeleceu um índice 0.7 de área de
mente a câmara viria a receber um Estudo Pré-
construção para a totalidade da área do plano.
vio de Urbanização da empresa Pimenta e Ren-
Como resultado e independentemente do dese-
deiro com uma planta de zonamento da área cor-
nho urbano todos os proprietários tiveram
respondente aos alvarás dessa urbanização, que
avançaria por fases, da primeira à sexta.
Figura 4 – Massamá: Divisão cadastral principal e identificação do licenciamento municipal
Inicialmente a análise processual sugeria
qualquer pré-planeamento, uma vez que estando
que a repartição das diferentes fases da urbani-
todas as parcelas na posse do mesmo urbaniza-
zação Pimenta e Rendeiro se fazia de acordo
dor ele poderia ter efectuado um plano geral
com a divisão cadastral. Parecia assim existir
com um desenho urbano unitário e coerente e
uma espécie de pré-planeamento cadastral, uma
um programa de urbanização. Tal não sucedeu.
vez que, embora de forma grosseira, as diferen-
tes fases correspondiam a parcelas diferentes
1:2000 do cadastro de Massamá, que não se
detidas pelo promotor/construtor. É claro que
apresenta por não terem leitura a esta escala,
este caso demonstra que o cadastro não constitui
deram conta da existência de uma divisão cadas-
tral original muito maior do que se poderia supor
Essa estratégia eliminou os problemas nor-
tendo como base a análise dos alvarás de lotea-
malmente associados ao cadastro, e que na
mento, e documentos conexos. De facto o que se
prática urbanística corrente são conotados com
passou foi uma estratégia de emparcelamento
a fragmentação da posse do solo, e deu origem
por parte do principal urbanizador da área.
Tabela 2 – Síntese dos indicadores urbanísticos e da sua variação no decurso do processo de desenvolvimento urbano Feijó – PP 9 Massamá
Variação total do n.º fogos entre a 1.ª aprovação e a alteração do alvará (%)
* Incluindo os valores resultantes do licenciamento municipal e dos artigos únicos
De facto, apesar dos esforços da administra-
equipamentos e de espaços públicos evidenciou
ção urbanística de Sintra na análise e crítica às
claramente a existência de um melhor ambiente
propostas do principal promotor, as variáveis de
controlo do desenvolvimento urbano eviden-ciam uma aplicação insuficiente das áreas decedência para equipamentos, arruamentos e
outras infraestruturas, bem como a desintegra-ção e incoerência do desenho urbano final. Na
Contrariamente à ideia corrente de que o
sequência de urbanização de Massamá verifica-
cadastro constitui, ainda hoje, uma espécie de
se a densificação progressiva da primeira para a
pré-planeamento do espaço urbano sugeri-
sexta fase, o que também sugere que a concen-
mos que em áreas com densidades médias e
tração da posse do solo enfraqueceu o poder
altas tal não se verifica. E isto acontece por-
que: a) a pressão para urbanizar e as dinâmi-
Por comparação com o caso do Feijó que
cas territoriais se alteraram; b) o sistema de
funcionou como se existisse um plano apro-
planeamento português é muito mais proac-
vado, ressalta a importância de uma atitude de
tivo com tendência por isso a utilizar PP’s (e
planeamento proactiva para assegurar a existên-
sucedâneos); c) existem instrumentos novos,
cia de infraestruturas e equipamentos necessá-
como a perequação dos encargos e benefícios
rios para a urbanização. De resto uma primeira
avaliação ambiental feita a ambos os bairros
2007) que; d) aliados às características de
(Cruz, 1997) através da utilização de índices e
indicadores urbanísticos8 nas componentes de
res facilitam a construção de propostas demaior qualidade.
Quanto à existência desse pré-planeamento
Veja-se Partidário (1990) para uma primeira apli-
cação em Portugal da avaliação do ambiente urbano.
nas urbanizações mais antigas, ocorridas num
contexto de deslocalização da população e de
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
intensa urbanização periférica como as deMassamá e Feijó, não existem estudos sufi-
BORGES, Klas Ernald (1994). Perspectivas do cadas-
cientes para contradizer essa convicção nem
tro e ordenamento do território em Portugal.
tão pouco apoiá-la. No entanto a análise do
Cartografia e Cadastro, n.º 1, pp. 25-28.
desenvolvimento urbano de Massamá, que à
ARVALHO, Jorge (2003). Ordenar a cidade, Coim-
partida sugeria a importância do cadastro
CARVALHO, Jorge (2007). Audição parlamentar
como estruturante no resultado final, visível
sobre «Perequação Urbanística», Poder Local,
até na incoerência do desenho urbano e da pai-
sagem urbana resultante, demonstrou afinal a
CRUZ, Carlos Moreira (1997). Processo de desen-
irrelevância do mesmo, uma vez que a quase
volvimento urbano e qualidade do ambiente
totalidade das parcelas pertenciam a um único
urbano: esboço de relações em quatro bairrosda Área Metropolitana de Lisboa, Lisboa: Poli-
Neste caso o que se vê, na paisagem, não é
o cadastro inicial, à partida muito mais frag-
CIPRO (1978). Plano Parcial de Almada – Relató-
mentado, mas antes um cadastro «privado»
rio Preliminar. Policopiado. 160 p. +22 mapas.
resultado do emparcelamento pelo urbaniza-
ONÇALVES, Fernando (1974). Legislação urbanísticaportuguesa – 1926-1974: Vol. IV – Financiamento
dor que, por motivos atinentes aos seus inte-
de execução do plano, Lisboa: LNEC, 261 p.
resses fraccionou e apresentou as suas propos-
GONÇALVES, Fernando (1981). Urbanística à Duarte
tas urbanísticas, no essencial como se se tra-
Pacheco, Arquitectura, n.º 142, pp. 20-37.
tasse de iniciativas dispersas de vários promo-
GORE, T.; NICHOLSON, D. (1991). Models of the land-
development process: a critical review, Envi-
Por último a tipologia apresentada de pro-
ronment & Planning A, vol. 23, pp. 705-730.
blemas ligados à questão do cadastro no pre-
HEALEY, Patsy (1991). Models of the development
sente momento sugere a importância na prá-
process: a review, Journal of Property
tica do planeamento da existência de um efec-
Research, n.º 8, pp. 219-238.
tivo cadastro multifuncional, sobretudo em
LAMAS, José (1993) – Morfologia urbana e desenhoda cidade, Lisboa: FCT/JNICT, 564 p.
áreas de baixa densidade, para se poderem
PARDAL, Sidónio (2002). Planeamento do espaço
alterar regulamentos e soluções em função de
rústico, Lisboa: ANMP/UTL, 143 p.: il.
alterações na estrutura cadastral. Sugere tam-
PARTIDÁRIO, Maria do Rosário (1990). Indicadores
bém a importância do planeamento activo e
de qualidade do ambiente urbano, Lisboa, x +
proactivo e da consideração atenta do grau de
repartição da posse do solo, tanto em contexto
PEREIRA, Margarida (1986). Urbanização e planea-
de controlo do desenvolvimento urbano como
mento na periferia da cidade de Lisboa, Lisboa:
no de PP aprovado, uma vez que concentração
da posse do solo pode ser mais problemática
RATCLIFFE, John (1996). Urban planning and real
que a sua dispersão, ao contrário do que geral-
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BARATA-SALGUEIRO, Teresa (1992). A cidade em Por-tugal – Uma Geografia urbana, 2.ª ed., 433 p. Porto: Edições Afrontamento.
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